TJSP 15/10/2013 ° pagina ° 1767 ° Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital ° Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Terça-feira, 15 de Outubro de 2013
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano VII - Edição 1520
1767
subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental
e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes
foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade
político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208,
IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade,
a eficácia desse direito básico de índole social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a
prerrogativa de formular e executar políticas públicas revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que
em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas
implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticojurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos
sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’. (Resp 485969 / SP;
Relator Ministro José Delgado; Primeira Seção; DJ 11.09.2006 p. 220). A possível alegação de que a decisão judicial
determinando o cumprimento do direito inscrito na Constituição Federal feriria a isonomia, ao ocasionar um desrespeito à ordem
cronológica do cadastro, também não se sustenta. Como já dito, o exercício do direito aqui em discussão não se sujeita a
qualquer espécie de “fila” que impeça sua plena efetivação. A constituição de um cadastro de pessoas aguardando a abertura de
vagas significa que o Poder Público está negando a todas essas pessoas o exercício de direito fundamental, previsto em norma
de eficácia plena e de aplicabilidade imediata. Repita-se que não há discricionariedade conferida à Municipalidade para a
concretização deste direito e qualquer conduta em sentido contrário representa ilegalidade. É claro que não se ignora a enorme
dificuldade do Poder Público em dar conta da demanda por educação (para não mencionar outras postulações). Todavia, a
“reserva do possível” não pode ser invocada pelo Poder Público para descumprir, dolosamente, suas obrigações estabelecidas
constitucionalmente. Por fim, cumpre observar que o texto constitucional e o ECA não garantem ao menor a escolha da escola
que pretende estudar. Desta forma, não há obrigação legal do poder público em assegurar a matrícula da criança em unidade de
sua escolha, nem mesmo na mais próxima de sua residência. A escola deve ser próxima, mas há necessidade de ser a mais
próxima. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para determinar a matricula da parte autora em instituição de ensino
infantil, na região de sua residência, até o limite de 2km, sob pena de multa diária fixada em R$100,00 (cem reais). Sem custas,
nem honorários advocatícios (ECA, art. 141, § 2º). Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. P.R.I. São Paulo, 20 de
setembro de 2013. Dr(a). Regiane dos Santos - ADV: IZAIAS JOSE DE SANTANA (OAB 107195/SP)
Processo 0005365-69.2013.8.26.0005 - Procedimento ordinário - DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - A. J. V. R.
de A. - P. do M. de S. P. - Fls. 34/38: Vistos. A.J.V.R.DE A., por sua representante legal, propôs ação ordinária de obrigação de
fazer, com pedido de antecipação de tutela, contra o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO visando à matrícula em unidade de ensino
infantil (creche). Alegou previsão constitucional, como fundamento, e a relevância do ensino infantil no processo de aprendizagem,
em local próximo da residência. A tutela antecipada foi concedida. A Municipalidade foi citada e apresentou contestação, na qual
sustentou a improcedência do pedido. Manifestou-se o representante do Ministério Público pela procedência da ação. D E C I D
O. Trata-se de hipótese de julgamento antecipado da lide, pois a matéria de fato encontra-se fartamente documentada nos
autos. No mérito, a procedência da demanda é de rigor. O direito à educação foi consagrado na Constituição Federal dentro da
categoria dos Direitos Sociais (art. 6º), como direito público subjetivo de todo e qualquer cidadão, pois visa à formação do
indivíduo enquanto membro participativo dentro da sociedade. O artigo 208 da Constituição Federal, ao especificar a forma de
concretização do direito fundamental à educação, garante, de forma expressa, o atendimento em creche ou pré-escola a todas
as crianças entre zero e cinco anos, in verbis: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: ( ...)
IV atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;” A educação infantil, como etapa inicial da
educação básica, assegura o desenvolvimento da criança, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade, nos termos do artigo 29 da Lei 9394/96. Dada a relevância atribuída a tal
direito, o legislador constituinte, soberanamente, estabeleceu a obrigação da prestação educacional de forma irrestrita e
incondicionada, sem qualquer subordinação a juízos de conveniência ou oportunidade. O texto impõe ao Poder Público a
obrigação de prestar o serviço de forma incondicional. Tal norma possui eficácia plena, pois o direito nela posto independe de
regulamentações para ser exercido. A obrigação do Estado está objetivamente concretizada na Constituição Federal que, por
um lado, assegura a todos, como direito social, o acesso à educação e, por outro, determina que ele se efetive, dentre outras
maneiras, pela instituição de creches ou pré-escolas para os menores de cinco anos. Não há, portanto, que se falar em
discricionariedade do administrador na realização desses preceitos. A obrigação que resulta da conjugação desses dois artigos
constitucionais (6º e 208) é plenamente eficaz e não admite juízo de conveniência e/ou oportunidade. Ademais, frise-se que a
própria Constituição Federal, em seu artigo 227, caput e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 4º, estabelecem a
prioridade absoluta no atendimento das crianças e adolescentes. Assim, de um lado resta claro o direito público subjetivo dos
menores de cinco anos de possuírem o acesso à creche e de outro lado está o dever do Município de prestá-lo, de forma
irrestrita e incondicional. O próprio Supremo Tribunal Federal asseverou: “A educação infantil representa prerrogativa
constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito do seu desenvolvimento integral, e como
primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa
prerrogativa jurídica, em consequência, impõe ao Estado, por efeito de alta significação social de que se reveste a educação
infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de
zero a seis anos de idade’(CF, art. 208, IV) o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de
configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder
Público, de pretensão estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal” (RE 410715 AgR/SP 2 ª Turma, Rel. Min.
Celso de Mello DJ 03.02.06). A Administração Pública deve pautar-se, sobretudo, pelo princípio da legalidade, uma vez que sua
atuação encontra sempre determinação e fundamento nas espécies legislativas. Em regra, o administrador público não goza de
qualquer liberdade para escolher ou determinar suas condutas. Nesse sentido, a discricionariedade, segundo Celso Antônio
Bandeira de Mello, permite ao administrador “eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre dois
comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto”. No caso, existe apenas a obrigação constitucional de prestar a educação
na forma estabelecida pelo constituinte. Não resta possibilidade de escolha ao Município, que deve dar cumprimento às normas
e preceitos estabelecidos na Carta Magna. Apesar de se reconhecerem os enormes esforços do Município em atender a sempre
crescente demanda por vagas em instituições de ensino infantil, não se pode concluir que este esforço seja suficiente para
tornar legal a negativa de prestação de ensino para quem necessita. A justificativa de ausência de recursos, por si, não exclui a
ilegalidade do ato, pois o exercício do direito subjetivo do impetrante não se sujeita a qualquer condição. Justifica-se, nesse
mesmo sentido, a atuação do Poder Judiciário, sem que se configure ingerência entre os Poderes. A atividade jurisdicional
apenas reconhece o direito fundamental à pré-escola e a ilegalidade na conduta do administrador ao não atendê-lo. A obrigação
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º