TJBA 09/09/2022 ° pagina ° 1888 ° CADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL ° Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.174 - Disponibilização: sexta-feira, 9 de setembro de 2022
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1. Cuida-se de mandado de segurança, com pedido liminar, proposto por PEDRO VINICIUS MESQUITA OLIVEIRA, representado(a)
por seu(sua) genitor(a) JANAINA PERPETUA MESQUITA OLIVEIRA em face de ZALMI SOUZA MARQUES, Secretário de Educação
do Município de Piatã-Ba.
2. A parte Impetrante alega que houve recusa por parte do Impetrado em proceder sua matrícula no ensino fundamental, sob o argumento da existência de data limite de corte da idade da criança para matrícula, afrontando seu direito líquido e certo de se matricular.
3. Com a inicial vieram procuração e documentos.
4. Decisão deferiu o pedido liminar.
5. O Município apresentou as informações, informando que procedeu à matrícula do impetrante, e requereu, ao final, a denegação da
segurança, sob argumento de observância da Lei n. 11.247/2006 e da Resolução do Conselho Nacional de Educação n. 06/2010, que
estipularam ser a idade de 6 anos completos até o dia 31 de março do ano de matrícula, o limite para o ingresso no ensino fundamental.
6. O Ministério Público manifestou-se favoravelmente à concessão da segurança.
É relatório. Fundamento e decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
7. O Mandado de Segurança ação de natureza constitucional cabível à proteção de ameaça ou efetiva violação a direito líquido e
certo, por ilegitimidade ou abuso de poder, onde não há margem à dilação probatória, vez que constitui dever do próprio impetrante a
instrução da inicial com os documentos necessários à comprovação da liquidez do direito invocado.
8. O art. 5º, LXIX, da Constituição Federal estabelece que: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
9. Deste conceito extraem-se os seguintes elementos, que são fundamentais para a concessão do writ: a) a existência de um direito
líquido e certo; e, b) um ato ilegal ou abusivo por parte da autoridade apontada como coatora.
10. Discorrendo sobre “direito líquido e certo” Hely Lopes Meirelles ensina que é o direito: “direito líquido e certo é o que se apresenta
manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o
direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos
e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o
seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança.” (Mandado de Segurança. 13.ª ed.
São Paulo: RT, 1989. p. 13).
11. Assim, o remédio heroico somente pode ser utilizado quando vislumbrado nos autos a integral/concreta existência do direito líquido
e certo de quem pleiteia a segurança. O direito líquido e certo não pode depender de comprovação posterior, exigindo-se que os fatos
sejam comprovados de plano.
12. A análise da questão submetida ao Juízo está justamente na ponderação sobre a idade mínima e o acesso à educação.
13. O tema foi judicializado, chegando ao Supremo Tribunal Federal. Através da ADC n. 17/DF, buscou-se o reconhecimento da
constitucionalidade dos artigos 24, II, 31 e 32, “caput”, da Lei 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Na ADPF 292/DF, questionava-se os artigos 2º, 3º e 4º, da Resolução 6/2010 e dos artigos 2º e 3º da Resolução 1/2010, ambas da
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), que definem, respectivamente, as diretrizes operacionais
para a matrícula no ensino fundamental e na educação infantil, e as diretrizes operacionais para a implantação do ensino fundamental
de nove anos.
14. O Plenário julgou em conjunto as ações, declarando a constitucionalidade dos dispositivos, fixando as seguintes teses:
“São constitucionais a exigência de idade mínima de quatro e seis anos para ingresso, respectivamente, na educação infantil e no
ensino fundamental, bem como a fixação da data limite de 31 de março para que referidas idades estejam completas.” (STF. Plenário.
ADPF 292/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º/8/2018 (Info 909))
“É constitucional a exigência de 6 (seis) anos de idade para o ingresso no ensino fundamental, cabendo ao Ministério da Educação a
definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário.” (STF. Plenário. ADC 17/DF, Rel. Min. Edson Fachin, red. p/
o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/8/2018 (Info 909))
15. Nesse passo, de modo a compatibilizar as situações de fato em que as crianças já estariam em estudo regular, o Conselho Nacional de Educação, editou a Resolução nº 02/2018, estabelecendo a seguinte regra de transição:
Art. 5º Excepcionalmente, as crianças que, até a data da publicação desta Resolução, já se encontram matriculadas e frequentando
instituições educacionais de Educação Infantil (creche ou pré-escola) devem ter a sua progressão assegurada, sem interrupção, mesmo que sua data de nascimento seja posterior ao dia 31 de março, considerando seus direitos de continuidade e prosseguimento sem
retenção.
Art. 6º As novas matrículas de crianças, tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental, a partir de 2019, serão realizadas
considerando a data de corte de 31 de março, estabelecida nas Diretrizes Curriculares Nacionais e reafirmada nesta Resolução.
Art. 7º O direito à continuidade do percurso educacional é da criança, independentemente da permanência ou de eventual mudança
ou transferência de escola, inclusive para crianças em situação de itinerância.”
16. Ultrapassado o prolegômeno, adentro no mérito da ação.
17. No caso dos autos, verifica-se que o(a) impetrante já se encontra em ambiente escolar, tendo cursado a 1ª Série do ensino fundamental, visando matrícula na 2ª Série do ensino fundamental.
18. Observa-se que a criança nasceu em 11 de dezembro de 2009. Assim, completou a idade de 6 anos após a data limite. Contudo,
foi matriculada e cursou a primeira série do ensino fundamental sem qualquer impedimento. Somente após desenvolver todo o ensino,
foi imposto óbice pela Administração Pública.
19. Patente, portanto, que a conduta impugnada mostra-se dissonante da legislação e dos princípios constitucionais. Não se nega
vigência ao conteúdo da legislação federal e nem se afasta a aplicabilidade do entendimento firmado pelo STF.
20. Trata-se de hipótese distinta e casuística, que sobrepõe a previsão normativa e foge do campo de incidência da tese firmada. Tem
se, na espécie, que a criança já cursou a fase inicial do ensino fundamental e seria obrigada a regredir seus estudos.
21. Assim, o ato da Autoridade coatora implica na interrupção do progresso educacional, impedindo a formação do(a) Impetrante, forçando a repetição de ciclo já superado, pelo singelo argumento da existência de “data limite”.
22. Não se pode ratificar o ato impugnado.