TJSP 02/06/2016 ° pagina ° 2180 ° Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II ° Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 2 de junho de 2016
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IX - Edição 2127
2180
autores (fls. 1305/1320). É o relatório. DECIDO. Preliminarmente, anoto que a alegação do administrador da massa falida do
Frigorífico FRISANE, acerca da suposta carência de ação por ausência de interesse de agir em relação à empresa em processo
de quebra, foi devidamente refutada pela decisão de fls. 1235. De fato, os autores, todos eles, possuem nítido interesse na
obtenção de título executivo judicial, podendo posteriormente submeter seus créditos ao concurso de credores no processo de
falência, visto que, importa destacar, não há notícia de que os créditos ora cobrados tenham sido reconhecidos e arrolados na
falência. Nesse sentido: “AÇÃO MONITÓRIA. Cobrança. Notas fiscais. Decretação de falência da empresa devedora.
Prosseguimento da ação. Possibilidade, tendo em vista a iliquidez do crédito. Exegese do artigo 6º, § 1º, Lei 11.101/2005.
Constituição do título executivo judicial também com relação a massa falida. Necessidade. Nulidade do ato decisório reconhecida,
para que o feito tenha regular prosseguimento. Recurso provido para esse fim.” (Relator(a): Gilberto dos Santos; Comarca:
Sertãozinho; Órgão julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 09/05/2014; Data de registro: 12/05/2014;
Processo n.º 4001449-26.2013.8.26.0597). Ainda preambularmente, registro que as preliminares arguidas pelos réus foram
devidamente afastadas na decisão saneadora de fls. 1141/1152. Com efeito, o referido decisum esclareceu que a inicial não era
inepta, conforme alegado pelos requeridos Paulo Roberto de Oliveira, José Eduardo Oliveira e José Joaquim de Oliveira Neto.
Essa decisão também afastou a ilegitimidade passiva alegada pelos réus FRISANE e Heliano Pereira Caetano, e o fez porque,
como lá consignado, a verificação da legitimidade da parte deve ser feita in status assertionis, vale dizer, à vista da narrativa
exposta na exordial. Os pedidos são procedentes. Realmente, diante do contexto fático, que envolveu uso de pessoas interpostas
e meios fraudulentos de negociação, a aferição da legitimidade passiva dos réus se confunde com o mérito neste caso. Tendo
isso em conta, caberá pontuar, agora em sentença, não apenas a patente legitimidade passiva ad causam, mas a própria
responsabilidade civil de cada um dos réus. Antes, porém, anoto que do extenso arrazoado da inicial se extrai que a pretensão
dos autores é de reparação civil de cunho material, tão somente. Com efeito, o pedido de fls. 28 se assemelha ao que seria feito
em ação de cobrança, malgrado a exposição fática a respeito do ato ilícito praticado pelos réus. Em resumo, o que ocorreu foi
que os autores, todos pecuaristas, foram ludibriados e venderam gado à corré FRISANE e não para Novoeste Alimentos LTDA,
e pela mercadoria que entregaram nada receberam. Passo a aferir a responsabilidade civil de cada um dos réus, em dois
tópicos principais. Responsabilidade civil contratual e extracontratual dos réus Frigorífico Santa Neuza LTDA, Paulo Roberto de
Oliveira, José Eduardo de Oliveira e José Joaquim de Oliveira Neto Negócio jurídico simulado, inadimplemento, e desconsideração
da personalidade jurídica. Pela leitura das contestações de fls. 1089/1096, 1098/1104 e 1105/1112, se vê que todos os réus
adotaram como cerne de suas defesas o mesmo argumento, a saber, que nenhum deles teve envolvimento com os negócios
entabulados entre os autores e a corré Novoeste Alimentos LTDA. Esse argumento, porém, não convence, conforme passo a
explicitar. A inicial veio acompanhada de cópia integral do processo crime n.º 218/2004, que tramitou na 2ª Vara desta Comarca,
pelo qual alguns dos réus da presente demanda foram condenados em primeira instância pelos crimes de estelionato e quadrilha,
em razão dos fatos que contextualizam o pedido inicial. Como se sabe, a responsabilidade civil independe da criminal, a teor do
disposto no artigo 935 do Código Civil. Porém, independentemente do trânsito em julgado daquela ação penal, se afigura
plenamente lícito o uso da prova lá produzida, como prova emprestada neste feito. Digo isso porque, apesar das considerações
feitas pelo i. juiz prolator da decisão saneadora neste respeito, entendo perfeitamente possível o uso, neste processo, da prova
produzida no processo criminal, primeiro porque não paira dúvida sobre sua licitude, pois foram colhidas sob o crivo do
contraditório. E no que diz respeito à identidade de partes, o mero fato de as empresas envolvidas não figurarem como rés
naquele processo crime em nada desabona a prova emprestada. Ora, a imputação envolvia os tipos penais estelionato e
quadrilha ou bando. As empresas envolvidas eram controladas justamente pelas mesmas pessoas que foram rés naquela ação
penal e também integram o polo passivo desta demanda. Além disso, este feito não depende apenas de prova produzida naquela
outra seara, pois aqui também foi produzida ampla prova documental e oral. Pois bem, dito isso, consta que Paulo Roberto,
José Eduardo e José Joaquim de Oliveira, conforme documentos de fls. 403/411, eram sócios proprietários da empresa
FRISANE. Conforme prova testemunhal colhida nestes autos (fls. 1263, 1264 e 1278), a venda de bovinos por parte dos autores
era, sem exceção, negociada com o réu Paulo Roberto. Este se dizia responsável pelos cheques emitidos em nome de Novoeste
Alimentos LTDA. Mais, consta dos autos que o gado nunca foi entregue para a empresa Novoeste, mas sim nas dependências
da FRISANE (fls. 1239/1240). Conforme depoimentos de fls. 577/590, o gado era retirado por funcionários da empresa FRISANE.
O réu Paulo Roberto, como já dito, encabeçava as negociações. Os autores não tinham contato algum com os “testas de ferro”,
“donos” da suposta compradora dos semoventes, Novoeste Alimentos LTDA. Como poderia Novoeste Alimentos ser a compradora
se a contratação se dava com pessoa de fora de seu quadro societário, sem mandato para tanto?Ora, Novoeste Alimentos só
consta como compradora nos papéis. E os autores realmente foram levados a crer que negociavam com o frigorífico FRISANE,
e não foram eles os únicos lesados por tal negócio simulado, conforme se verifica a fls. 580/586. Os réus que contestaram a
ação não negaram a existência dos negócios entabulados e, ao revés, confirmaram em parte a narrativa da inicial quanto à
existência da compra e venda. Também não impugnaram o inadimplemento como fato. Diante desse contexto, entendo que a
contratação real se deu com Frigoríco FRISANE, apesar do uso da empresa Novoeste como forma de falsear a verdade. Os
cheques emitidos por Novoeste Alimentos LTDA, em favor dos autores, foram devolvidos por insuficiência de fundos (fls. 44/46,
51/54, 60, 64/65, 70, 74, 79, 85, 87, 92, 95 e 96/97. Pelo contrato de compra e venda, uma das partes se obriga a transferir o
domínio de certa coisa, e a outra a pagar-lhe certo preço em dinheiro. É a letra do artigo 481 do Código Civil. Não cumprida a
obrigação, responde o devedor por perdas e danos (artigo 389 do Código Civil). Os autores devem ser assim ressarcidos pelo
inadimplemento e há de se preservar o que se dissimulou, a vista do disposto no artigo 167 do Código Civil. “Art.167. É nulo o
negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. §1° Haverá simulação nos
negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se
conferem, ou transmitem; Além da empresa FRISANE, é evidente que todos os envolvidos na fraude se beneficiaram utilizando
um negócio jurídico simulado. Na verdade, havia uma dissimulação, pois os contratos de compra e venda existiram de fato, mas
com uso de pessoa interposta. É de simples constatação a responsabilidade dos sócios, Paulo Roberto, José Eduardo e José
Joaquim de Oliveira, ante os sólidos elementos de convicção que apontam a ocorrência de verdadeira fraude à lei e desvio de
finalidade pelo uso de dissimulação, autorizando assim a desconsideração da personalidade jurídica, conforme previsto no
artigo 50 do Código Civil. Paulo Roberto encabeçou a fraude, conforme já bem esclarecido. José Eduardo e José Joaquim de
Oliveira tinham ou deveriam ter plena ciência do meio fraudulento empregado para prejudicar os pecuaristas e obter vantagem
ilícita. A dissimulação em prejuízo da outra parte contratante, por óbvio, implica em ato ilícito, daí exsurge a responsabilização
destes réus também na seara extracontratual. Contudo, tal imputação não deve implicar, no caso dos autos, em um plus
indenizatório pelo dano moral advindo da responsabilidade civil aquiliana, visto que não há pedido dos autores nesse sentido.
Responsabilidade civil extracontratual dos réus Novoeste Alimentos LTDA, Miguel Jordão, Arnulfo Neves e Heliano Pereira
Caetano participação em negócio jurídico simulado ato ilícito Apesar de não terem apresentado resposta, não se pode cogitar
de aplicação do efeito principal da revelia aos réus Novoeste Alimentos LTDA, Miguel e Arnulfo, porque outros réus contestaram
a ação (artigo 320, inciso I, do CPC). Assim, é preciso pontuar sua responsabilidade. As vendas foram faturadas e os cheques
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º